quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Análise comparativa dos Roteiros para Planos de Manejo do Amazonas e Pará

1. Objetivo


Esse texto tem como objetivo apresentar os resultados de uma análise comparativa dos Roteiros metodológicos dos estados do Amazonas e Pará estabelecidos para a elaboração de planos de manejo de unidades de conservação (UCs). Os aspecto priorizados foram o engajamento social, requerimentos para a gestão integrada de UCs (na forma de mosaicos ou não), preocupação com a geração de renda local e a metodologia para o zoneamento da UC.

2. Definição de UC

Para tanto é importante saber que as unidades de conservação (parques nacionais, reservas, RPPNs, etc.) são definidas por lei como espaços territoriais com características naturais relevantes, legalmente instituídas pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração. Sem dúvida prestam grandes ‘serviços ambientais’ como a infiltração de água no solo, lançamento de umidade atmosférica, estabilidade climática, absorção de carbono atmosférico e muitos, muitos outros. Pena que pela falta de infraestrutura e gestão são tão pouco visitadas e, por isso, pouco defendidas...

Um dos requisitos para que um Parque, por exemplo, seja aberto para a visitação e a realização de atividades como pesquisa, educação ambiental e turismo é o seu plano de manejo – obrigatório por lei. O plano de manejo é um documento técnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais da unidade de conservação, se estabelece cada zona interna de uso (e até de não-uso) e as normas que devem regular essas zonas. Para cada zona é definido o nível de intervenção dos recursos naturais e até sobre a implantação das estruturas físicas necessárias à gestão da unidade.

3. Referências federais

Mesmo tendo os recentes Roteiros estaduais do Amazonas e Pará como foco, revisamos outros roteiros metodológicos já estabelecidos pelo governo federal sobre o assunto. A definição dessa abordagem metodológica foi estabelecida pelo fato de que as publicações estaduais são bastante contundentes no que se refere a necessidade de engajamento social em todas as etapas de elaboração de planos de manejo, assim como na necessidade de se abordar a gestão integrada de UCs, quando aplicável, e elementos concretos sobre geração de renda e benefícios locais. A metodologia para a elaboração do zoneamento também foi objeto de análise. E aí surgiu a curiosidade de se verificar como as diretrizes federais se posicionam, ou não, para cada um destes temas.

Para tanto, três referências federais fizeram parte do nosso escopo de análise. A primeira delas foi o “Roteiro Metodológico de Planejamento: Parque Nacional, Reserva Biológica e Estação Ecológica” . Esse documento, que tem como objetivo orientar a elaboração do documento de gestão para três tipos UCs de proteção integral, traz alguns posicionamento, considerações e solicitações interessantes a serem introduzidas no Plano de Manejo a ser elaborado, tais como:

  • Sobre o engajamento social há várias considerações sobre a participação das comunidades, mas o foco é a região do entorno da UC, já que os tipos de UCs abrangidas por este Roteiro pressupõem desapropriação de propriedades privadas, quando inseridas em seus limites. A despeito disso, a participação social é prevista para acontecer de forma reduzida (1 representante) e para o planejamento em apenas um momento específico (oficina de trabalho de planejamento). O documento aponta o quanto interessante é o engajamento da comunidade do entorno para a implementação de atividades futuras associadas ao turismo (guias, visitação, etc.);
  • No que se refere a gestão integrada há uma solicitação para que o plano de manejo considere a inserção da UC em seu contexto local a fim de se verificar se há integração com outras UCs estaduais na forma de corredores ecológicos ou se há a configuração de mosaicos e suas implicações. Essa verificação é mais uma fotografia sobre o que acontece muito antes de ser um estímulo a gestão integrada;
  • Os ‘serviços ambientais’ não foram considerados sobre nenhum aspecto e mesmo o potencial turístico das UCs não é tratado sobre essa visão;
  • Quanto a metodologia para a elaboração do zoneamento, esse é estabelecido a partir das informações advindas dos diagnósticos e tem em vista objetivos e intensidades diferenciadas de proteção para cada subárea. Cada zona a ser estabelecida será regulada por normas gerais e objetivos próprios. É interessante notar que, adicionalmente, todas as zonas são agrupadas em quatro níveis de intervenção humana.
O segundo documento revisado foi o ‘Roteiros metodológicos para elaboração de plano de manejo para florestas nacionais’ . Assim como para o documento anterior, tivemos a mesma ótica de análise e o resultado é que sobre os aspectos sociais e comunitários, esses são tratados apenas como informações a serem introduzidos no diagnóstico da socioeconomia, elementos históricos e sociais, quando encontrados. A participação social na construção do documento não está explicitamente apresentada e somente na oficina de planejamento há a possibilidade de engajamento, se assim for entendido como relevante pelo gestor público. Muito frágil.

Sobre a gestão integrada, essa estratégia de gestão complementar não foi ponto de consideração em nenhuma parte do documento, assim como, para o terceiro item de nossa análise, não há o uso explícito do termo ‘produtos e serviços ambientais’. Sobre este último vale uma consideração. A despeito do termo não ser utilizado, em essência, o plano de manejo e a própria criação da UC apontam para esse caminho. Sem dúvida, a exploração sustentável dos recursos florestais, a partir de um plano de manejo florestal, ou ainda, a exploração mineral devidamente licenciada e monitorada e o turismo podem trazer benefícios econômicos e sociais para a UC e sua região de entorno. Mas não são apenas esses produtos e serviços potenciais que uma Floresta Nacional pode gerar. Uma gama de vários outros pode ser sustentavelmente explorada concretizando um dos objetivos dessa categoria de manejo de UC: a conciliação entre o uso e a preservação dos recursos naturais.

Para finalizar, sobre o zoneamento da UC, esse é construído a partir dos diagnósticos de campo e tem como referência 10 diferentes tipos de zonas sugeridos pelo Roteiro.

O terceiro documento é o “Roteiros metodológicos: plano de manejo de uso múltiplo das reservas extrativistas federais ” . Para os temas em questão, destaco os seguintes elementos:

  
  • É no engajamento social, a partir da valorização do conhecimento tradicional, onde se encontra o maior foco deste documento, depois do Roteiro para a elaboração do plano de manejo propriamente dito. Em vários aspectos a população é considerada, principalmente, nas várias fases da elaboração do documento. É atribuída à comunidade uma responsabilidade a ser assumida na gestão e fiscalização de uma RESEX. Os demais requisitos legais também não foram esquecidos: é a conselho da RESEX que aprova o plano de manejo. Não podemos deixar de considerar que em um dos textos complementares que são parte integrante do Roteiro, há uma defesa clara pela gestão compartilhada das UCs;

  • No há solicitação para a inclusão de diretrizes que promovam o engajamento da gestão UC em conjunto com outras áreas protegidas.

  • Os produtos e serviços ambientais são tratados de maneira detalhada e bastante pragmática. De forma ousada para a época (2004), já consta no documento um título específico para tratar de serviços ambientais como a absorção de carbono e pagamentos pela produção e qualidade da água. Vários outros aspectos são requeridos, inclusive sobre temas polêmicos como o potencial de “fauna excedente” – o que em outros países significa potencial de caça dentro da UC. Igualmente interessante são as orientações para o ‘uso múltiplo’ da RESEX. Ou seja, além da exploração de madeiras, há um claro incentivo para o uso de produtos não madeireiros. Isso pode manter e estimular o extrativismo como forma de sobrevivência.

  •  Sobre o zoneamento, este é tratado de forma superficial. Na introdução do documento há um requerimento para que o assunto seja tratado no volume I do plano de manejo, que é chamado de plano de utilização. Nada mais. Vale dizer que no Roteiro Metodológico II, que trata do Plano de Manejo de Uso Múltiplo das Reservas Extrativistas Pesqueiras, e que é confusamente é parte integrante do documento principal, bem melhores orientações são encontradas para o estabelecimento do zoneamento por intermédio de um título específico para o estabelecimento de zonas por categorias de manejo e considerações a serem feitas a partir da infraestrutura, espécies e atividades já estabelecidas na UC. Ainda assim, muito há o que ser melhorado nesse documento.

4. Os Roteiros Metodológicos para Planos de Manejo dos estados do Amazonas e Pará

Além dos pontos que venho destacando acima (engajamento social, gestão integrada e produtos e serviços ambientais) vale mencionar as opções que cada um desses estados apresenta como construção metodológica.

E começando a análise pelo Roteiro do Estado do Amazonas , posso adiantar que sobre o aspecto de engajamento social, independente se a UC é de proteção integral ou de uso sustentável, há um requerimento de já na fase de pré-planejamento, antes do diagnostico, haver uma visita de campo onde se possa não só trocar informações sobre a produção logística para a elaboração do Plano de Manejo como, também, envolver os vários atores que se interessam pela UC (comunidades, prefeituras, ONGs, etc.). Outro elemento de destaque é justamente a participação social na elaboração da declaração de significância da UC.

De forma similar encontramos solicitações para que se possa implementar a UC conjuntamente com outras e em forma de mosaico, conforme o SNUC. Os serviços ambientais estão igualmente bem contemplados, ainda que este documento não se aplique apenas para as UCs de uso sustentável. Em várias partes do documento encontramos preocupações sobre o estímulo a manutenção e melhoria das condições para a geração de renda das comunidades.

Existem ainda orientações bastante interessantes no que se refere a elaboração metodológica do documento. O governo do Amazonas estabelece que o zoneamento deve ser resultado de um cruzamento de informações entre zonas a serem estabelecidas e quatro níveis de intervenção humana para cada uma delas. Tudo isso feito com base em critérios.

Comparativamente, o Roteiro do estado do Pará apresenta as seguintes características, para os mesmos pontos de análise:

  •  A participação social é vista como “fundamental para a consolidação da UC, para sua proteção e o alcance de seus objetivos de conservação. Entretanto, destaca, “este apoio só é efetivado na medida em que a criação da UC seja um fator de melhoria da qualidade de vida local.” Mais ainda, independente da metodologia de construção, reconhece o conhecimento tradicional por intermédio de vários insumos inclusive pelo aporte de informações para a elaboração para a construção de “mapas falados”. Outro elemento que atualmente está em discussão na sociedade brasileira é sobre os impactos sociais causados pelas UCs. Nesse contexto, o Roteiro já traz um conjunto de (quatro) indicadores socioeconômicos e uma preocupação explícita sobre os potenciais efeitos negativos da ação humana na UC;

  •  No que se refere à gestão integrada para a UC, existe um título específico sobre mosaicos de áreas protegidas onde é requerido que o plano de manejo de cada UC deva trazer diretrizes, recomendações e ações estratégicas que tenham o objetivo de facilitar e estimular a gestão participativa de um conjunto de UCs, considerando os seus diferentes objetivos de conservação;

  • Sobre produtos e serviços ambientais, o documento é maduro sobre o tema e apresenta sete programas para a implementação do plano de manejo. Entre esses, três tem preocupações para a geração de renda, sustentabilidade financeira e a identificação de produtos e serviços ambientais;

  •  São nas diretrizes de elaboração do zoneamento onde reside uma das maiores diferenças de abordagem do Roteiro metodológico para planos de manejo do Pará. As diferentes zonas a serem estabelecidas na UC devem ser identificadas a partir da intensidade de intervenção humana. Para tanto, são estabelecidos critérios para a seleção das zonas e uma matrix contendo um cruzamento entre as (cinco) zonas e seu respectivo grau de intervenção.

 5. Resultados encontrados

Existe uma diferença aproximada de dois anos entre o lançamento do Roteiro do estado do Amazonas (2007) e o do Pará (2009).Ainda que um prazo de dois anos seja muito curto para se testar e melhorar um Roteiro metodológico, é possível se observar no Roteiro do Pará um preocupação mais forte com os aspectos institucionais, tais como a necessidade da avaliação da gestão da UC, a formalização da equipe de acompanhamento, e a responsabilidade pelos contatos com o conselho da UC.

Por outro lado, o Roteiro do Amazonas é claramente mais inclusivo quanto a participação social e valores das comunidades. Preocupações com a geração de renda são presentes em ambos os documentos sendo o Roteiro do Pará mais incisivo sobre a geração de benefícios sobre o carbono atmosférico os serviços ambientais.

Como já apresentado anteriormente, reside na construção do zoneamento a grande diferença entre os dois roteiro estaduais. Ainda que a construção a partir de zonas de intervenção (Roteiro do Pará) não seja uma novidade, já que o Roteiro federal para Parques, Reservas Biológicas e Estações de 2002 já franqueava essa opção, ambos os documentos são bastante consistentes em orientar para um caminho de elaboração de planos de manejo bem fundamentados em diagnósticos, com adequado envolvimento social e importantes preocupações para a sustentabilidade financeira da UC e de suas comunidades.

Caso o leitor se interesse por quaisquer dos documentos citados neste texto, basta nos escrever que os enviaremos.

Um abraço,

Fernando Vasconcelos

Diretor

Aimárá Gestão Ambiental